29/11/2010

REFLEXÕES...



Ontem participei da festa de São Batuque, que pelo que entendi da proposta São Batuque é aquele que convida aos batuqueiros ou a quem quiser e sentir vontade a tocar seus tambores. Vários grupos se apresentaram e por trás dessa expressão senti o grito dos negros na sua luta pela liberdade, mas a liberdade de existir. E ai está o meu ponto de reflexão, que liberdade é essa que todos buscam? Porque acredito que não são os negros, que ainda se sentem excluídos, buscam, mas todos aqueles que se excluíram de si mesmos. O homem está "fora de si", numa busca incessante por um lugar ao sol, mas que lugar é esse?


Nos vejo hoje cercados por uma parafernália carregada de pragmatismos e uma corrida desvairada pela idéia de consumo, encarcerados aos condicionamentos que nos privam totalmente da possibilidade de Ser. Que liberdade é essa, que todos estão buscando? Liberdade que negros, brancos, homossexuais, indios, mulheres, crianças, viciados,  ricos e pobres, enfim, acredito, nós seres viventes, porque o tempo todo estamos a ouvir os gritos e expressões por todo o planeta em busca de algo... o que afinal?

Não seremos os homens perdidos de nós mesmos? Não será essa busca angustiante pelo poder a razão de estarmos totalmente perdidos, sem direção? Quem já chegou lá, não encontrou, quem está a caminho, não consegue encontrar, e quem ainda não começou não tem a menor idéia por onde começar. E enquanto nessa busca desesperada vamos atropelando o que vemos pela frente, o outro passou a ser o entrave do caminho, as informações chegam e são resultado de uma sociedade esquizofrênica, totalmente dissociada. Afinal o que resta disso tudo são pessoas fragmentadas, acolhidas por uma sociedade doente, e o que se consegue extrair disso tudo é de uma superficialidade assustadora. Estamos criando nossas próprias guerras, que começam nos nossos ambientes de sobrevivência, nas distancias da indiferença, nas pequenas mentiras, os gestos esquecidos pela falta de tempo, nas competições pessoais, que alimentados vão ganhando as proporções sociais, afinal, sociedade somos nós, ou VOCÊ se excluiu da sua?

Será que não estamos desejando nos incluir de onde nós mesmos nos excluimos? Não será esse o paradoxo? A ausência de nós mesmos, por termos esquecidos da dualidade que somos, não somos só matéria, mas somos trambém espíritos. Não será na compreensão do humano em nós, da integração de nossas dualidades e na apreensão do mistério que nos envolve  que o homem poderá se libertar? Que poderá encontrar dentro de si mesmo a liberdade e a paz tão procurada?


"Viver ultrapassa qualquer entendimento", dizia Clarice Lispector, e confiar nesse mistério, acredito, venha a ser o grande desafio do Ser nesse mundo pragmático que criamos para nós mesmos, ou seja, dar um passo para trás, respirar profundo, e dar-se conta de que o que precisa mudar é cada um dentro de si mesmo, modificando os hábitos, desaprendendo para aprender de novo, buscando um olhar mais inocente, para então uma nova sociedade surgir, não perfeita, mas humana. 

Ana Maria
imagem: http://reflexosereflexes.blogspot.com/

21/11/2010

Compaixão

"Quando entramos no mundo da compaixão acreditamos que há em nós algo maior que nós. O inimigo não é simplesmente o outro, no exterior. O inimigo, às vezes, é uma parte de nós mesmos, são lugares de nós que não amamos e este inimigo também precisa ser amado. Não com um amor de complacência mas com o reconhecimento da diferença, daquilo que nos custa aceitar."  ( Jean Yves Leloup)

Acredito que a compaixão seja o exercício mais difícil de se por em prática. É preciso que tenhamos um desprendimento muito grande do juizo em nós, aprender a olhar o outro na sua "outridade", respeitando seus limites e imperfeições, não o prendendo em suas expressões negativas. Para que possamos alcançar esse espaço dentro de nós é preciso antes ter aceitado nossas imperfeições, aprendido a integrar os aspectos opostos que nos compõem, saber que somos humanos e que temos em nós a luz e a sombra e que esses dois aspectos não se opõem mas se complementam. É ser capaz de resgatar o feminino, sendo homem ou mulher, dentro de nós, essa porção amorosa e sintética que nos habita para nos tornarmos conscientes de nossa inteireza. Geralmente estamos divididos, fragmentados, separados, é preciso aceitar e integrar o físico e o espiritual em nós. 
Segundo Jean Yves, "é preciso que unamos em nós a ação e a contemplação e quando encontrarmos esta possibilidade de união, descobriremos uma terceira etapa no caminho da sabedoria - a dimensão da compaixão."

Ana Maria
Imagem:coisasdabrenda.blogspot.com

13/11/2010

Caminhar...

           Acordei esta manhã já vislumbrando um desejo de caminhar, é algo como se o corpo sentisse essa necessidade. Sempre caminho, mas hoje senti que eu estava diferente.

         Tomei o café da manhã e finalmente sai.... enquanto caminhava sentia a leve brisa tocar meu rosto, uma sensação gostosa que me convidava a participar da natureza. Senti uma expansão, como se fizesse parte de tudo, o ar da manhã me cobriu de verde e o sol abençoava minha pele.

           Essa comunhão se deu durante todo o caminhar, uma estranheza gostosa aspirando algo novo, ouvia a música  dos pássaros enchendo o silêncio precioso que guardava esse instante.
           Ainda sinto a vibração desse instante, ele vibra no silêncio do aconchego solitário do meu lugar, um espaço reservado, também silencioso, onde emana o Ser.... Sendo. 


Ana Maria

07/11/2010

Plena Atenção - Ser Presente

"Mais rápidos que a água do rio,
que o vento do deserto, escoam-se
os dias. Dois não me interessam:
são o de ontem e o de amanhã.
Não te mergulhes no passado
nem no porvir. Teu pensamento
não vá além do presente instante!
Este é o segredo da paz".    (Omar Khayyam)

A cultura ocidental nos direciona a uma consciência compartimentalizada e fragmentada, isso dificulta o exercício da plena atenção, que não é uma pequena atenção centrada apenas no objeto de percepção seletiva e focada, mas sim, uma atenção ampliada, inclusiva, que acolhe por inteiro um universo de percepções. 

Estar presente é simplesmente "estar aqui e agora", presente naquilo que estamos realizando no momento. Estamos hoje tão automatizados, que nossas ações tornaram-se automáticas, ou seja, as realizamos sem ao menos percebê-las. Para sobrevivermos num ambiente exigente e pragmático perdemos o contato com nossa mente comtemplativa que nos permite uma visão mais ampliada do todo, deixamos de ouvir os pássaros, olhar para o céu, sentir o calor do sol, perceber o movimento natural e simplificado da natureza ao nosso redor, reduzindo e fechando as portas de nossa percepção global.

A plena atenção é estar desperto, é  não se apegar ao passado e nem ao futuro, que na verdade não existem, o que de fato existe é o agora e é aqui que precisamos realizar. Eu sempre digo que a melhor forma de meditar é sentir, abrir todos os canais sensitivos, se perceber acordar, escovar os dentes, sentir o cheiro do café, se vestir, caminhar, se deslocar, percebendo cada movimento e as sensações que seu corpo desperta em relação a eles, ampliar o olhar, sair na rua e VER o mundo ao redor, as pessoas, reaprender a tocar, sentir texturas, ampliar a escuta, sentir a energia. Por meio da plena atenção, segundo Roberto Crema,  "nos ancoramos no aqui-e-agora, que é transtemporal, contendo os germes do passado e do futuro, o único tempo-espaço real de edificação e transmutação".
   
Essa realidade parece-nos distante, e na verdade, é assim, pela nossa cultura, por nossos hábitos adquiridos. É preciso um esforço muito grande e também vontade para mudarmos hábitos antigos, nada é impossível. Procure colocar em prática primeiro em circunstâncias críticas, momentos de decisão ou emoções descontroladas, de raiva, ódio... primeiro torne-se conciente do problema (respire profundo) e fique atento se tornando testemunha do caos, afastando-se e desidentificando você abre um espaço interno que possibilita uma transformação.

Aos poucos, gradativamente, vá inserindo a plena atenção no seu dia a dia, desligando-se da mente tagarela e se ligando em cada ação presente, descobrindo um novo universo pessoal, carregado de significado e sentido, criando novas formas no viver, experimentando fazer coisas diferentes das habituais, buscando atitudes mais saudáveis, criativas. E não se assuste quando se perceber mais inteiro e feliz. 

Ana Maria

03/11/2010

Viajar

       Completei agora, no mês de outubro, 45 anos, imaginava o que poderia eu me dar de presente, é, PRESENTE, afinal não é todo dia que faço 45 anos. Pensei em várias formas de me presentear, mas esculpindo minhas fontes, procurei adentrar mais profundo e lembrar o que, durante minha existência,  eu dizia ser um sonho e que ainda não tinha realizado. É,  porque os últimos anos de minha vida tem sido grandes realizações, de coisas totalmente novas que jamais tinha sonhado, mas que a permissão foi me dando a oportunidade de realizar. Fui meditando na minha vastidão tentando descobrir o que eu realmente gostaria de fazer para celebrar esse momento, então lembrei que desde que me entendo por gente sempre disse que se existe algum lugar que eu gostaria de conhecer esse lugar é Fernando de Noronha, sempre disse isso, não tenho a menor idéia do porque.

Nada a programar, simplesmente uma passagem de ida para ver o que o universo me reservava, o dinheiro, era pouco? ou suficiente? Nada disso eu sabia, então melhor não marcar datas, só ir com o tempo. O destino, Natal, no Rio Grande do Norte, ali poderia sondar e explorar de perto possibilidades de ir e como ir para a Ilha.
        Cheguei em Pirangi do Norte, já tiinha deixado reservado numa pousada um lugar, só para uma "pseudo" segurança , mas que oferece um certo conforto. Fui muito bem acolhida e a noite o sono não foi profundo, e algo me incomodava, pela manhã fui dar uma volta pela praia e já ali, meu coração foi se abrindo e algo me dizia: "Ana, você ainda não chegou.". Voltei com a decisão de ir embora, para onde? Não sei, mas meu coração dizia: "Vá para Genipabu". Ok, então lá fui eu, no caminho já sentia uma energia diferente, e ao chegar em Genipabu, sem ao menos saber onde e como ficar, eu já sabia que ali era o lugar. Interessante isso, mas comigo é assim mesmo que acontece, nada de explicações, "viver ultrapassa qualquer entendimento", já dizia Clarisse Lispector.

         Mochila nas costas  e informações que me levassem para algum lugar, e assim cheguei em Genipabu. Consegui fechar com um preço bem acessível minha estadia numa pousada para 30 dias, ali seria um ponto de referencia que me daria oportunidade de conhecer o litoral rio Grandense praticamente todo e foi como aconteceu.
            Genipabu me acolheu nos braços, caminhei(muito) pelas praias de mãos dadas com a paz que envolvia meu espírito, andava por toda parte onde o silêncio brincava e as águas profundas cantavam. Esse encontro me fez lembrar minha vastidão, algo que me apurou o olhar, imagens que traduziram minha vacuidade, um vazio-cheio, carregado de significados. Assim vivi esses 30 dias, encontrando na simplicidade do lugar e no cotidiano ordinário... a beleza. Visitei a redondeza, Natal, Pipa, Jacumã, Touros, São Miguel do Gostoso, entre outros.

Durante esse mês, com os contatos, fui pesquisando as possibilidades de ir para Noronha, como ir. E como é natural hoje em dia, tudo convergia para os "pacotes de viagem", que desde o primeiro momento, essa possibilidade, para mim, estava descartada. Comprei as passagens pela internet, consegui um melhor preço, providenciei o pagamento da taxa de preservação, e marquei as datas, ficaria 6 dias na Ilha, tempo suficiente para conhecer, acreditava eu.
           Nunca me ocorreu de sair de um lugar com vontade de ficar, e foi exatamente o que aconteceu quando vim embora de Fernando de Noronha. A minha relação com a ilha foi de "comunhão", um lugar de mim mesma, caminhei muito, por toda a ilha e praias. Constatei que é possível sim, viajarmos com mais economia, desde que saiamos da "rota do turismo". Fui acolhida ao pisar na ilha,  fiquei numa pousada onde negociei um bom preço pelos 6 dias. Caminhar é uma forma de estabelecer relação mais profunda com o lugar, isso me fez ter contato com pessoas da própria ilha, assim como em Genipabu.

Conheci guias, bombeiros, pessoal da polícia, todos que trabalham ou vivem na ilha, isso me facilitou o acesso a tudo, ou seja, não paguei  pelos passeios, fazia sozinha, caminhando. Com os guias que conheci  fiz alguns mergulhos superficiais, que sozinha não teria coragem, apesar de poder fazê-los alugando o material, que eles gentilmente me emprestaram e me guiaram, com outro contato (bombeiro que trabalha na Ilha) conheci Atalaia, a única praia que não se tem acesso, somente com guia, fui com ele sem custo e fiz o mergulho para ver o naufrágio no Porto. A alimentação, que é muito cara, com os contatos consegui um restaurante onde comi bem e muito barato em relação ao que é cobrado na ilha. Mas se entrar na "rota" pagará por todos os passeios, eles vivem dessa exploração, se perguntar se pode fazer sozinho, eles dirão que não e que precisará de um guia... LÓGICO.

          Quanto a beleza do lugar, não existe palavras para expressar, é MARAVILHOSO, é cinematográfico, de uma exuberância impar pelas águas transparentes. O que me encantou foi a energia do lugar, pode-se andar por toda a ilha, trilhas, praias, a qualquer hora, que não tem qualquer perigo, perguntei por cobras, na ilha, não tem. Os animais partilham seus espaços e fazem parte dele, até os tubarões são mansos (rsrsrs), caminhar e nadar com eles(animais) e entre eles faz parte.

E assim me presenteei, consegui realizar um "sonho" e permanecer tempo suficiente (40 dias) para conhecer, explorar e viver o cotidiano do lugar, sem gastar muito (dentro do meu orçamento). Confesso que o universo contribuiu muito, apesar de saber que é meu coração que estava aberto para que essa energia fluisse, eu me permiti receber esse presente.

Ana Maria 
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